Desde 2018, Bolsonaro ataca o sistema eleitoral, acusa os servidores de fraude e pede a volta do voto impresso
“A justiça eleitoral tem sido vítima de uma campanha de difamação há anos. Nas eleições de 2018 foi criado um clima de desconfiança antes mesmo do primeiro turno (…) Estamos fazendo essa ação pelo futuro, pela claridade e integridade das eleições de 2022 que estão sendo ameaçadas por essas posturas que dizem que o sistema é fraudário”, afirmou Márcia Coelho, secretária de Formação, Cultura e Lazer do Sintrajufe/RS, servidora da Justiça Eleitoral, em coletiva de imprensa realizada esta terça-feira (6) para tratar da ação movida pelo sindicato contra o presidente da República, que ataca sistematicamente os servidores da Justiça Eleitoral.
Com objetivo de evitar a fraude no processo eleitoral e eliminando a intervenção humana no resultado do processo, surgia há 25 anos a urna eletrônica no Brasil, transformando a eleição no país na mais informatizada do mundo. Contudo, sob o governo Bolsonaro, o sistema corre perigo. Alegando fraude por parte dos servidores da Justiça Eleitoral, Jair Bolsonaro vem ameaçando e atacando o sistema, com o presidente e seus apoiadores ressuscitando o desejo pela volta do voto impresso.
Diante disso, o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal ingressou com uma ação civil pública por danos morais contra a União, devido às reiteradas manifestações do presidente Jair Bolsonaro, nas quais ele associa servidores da Justiça Eleitoral a fraudes (nunca comprovadas por ele) em urnas eletrônicas.
“Somos servidores públicos, concursados não participamos de rachadinha, não dividimos os nossos salários com nenhum político ou com quem quer seja. Fizemos concurso e estamos aqui denunciando essa tentativa de desmoralização da nossa categoria, e nós vamos lutar pela nossa dignidade”, ressaltou Edson Borowski, diretor do Sintrajufe/RS, servidor da Justiça Eleitoral e especialista em Direito Eleitoral.
Além do respeito à categoria, acrescenta Edson, a ação tem caráter preventivo para evitar o que aconteceu, por exemplo, nas últimas eleições presidenciais na Bolívia, em que apoiadores atearam fogo em sedes da corte eleitoral do país, ou como no Capitólio, nos Estados Unidos.
Na ação, a entidade destaca diversas falas em que o presidente, sem apresentar provas, afirma que houve fraude no sistema eleitoral. Como a afirmação de Bolsonaro, em julho de 2021, em sua live semanal: “O pessoal usa colinha em tela e no teclado [da urna] em local mais humildes. O cara vai lá, bota uma cola, um pinguinho de cola no número 7. Quem quer votar no 17 não consegue, e o pessoal é humilde, é pobre, não tem muita informação, acaba votando no outro, ou não votando, e vai embora.. (..) Eu fui eleito no primeiro turno, tenho provas materiais disso, mas fraude existiu, sim, me jogou para o segundo turno”.
Para o sindicato, esse tipo de manifestação contra o atual sistema eleitoral, sob a alegação de fraude, sempre sem qualquer prova, ganha grande repercussão ao ser feita pelo presidente da República. “Quando ele diz que é uma ação orquestrada por quem manuseia as urnas, e afirma que houve adulteração, isso atinge diretamente servidores e servidoras da Justiça Eleitoral, responsáveis diretos pelo preparo de todo o material oficial ligado às eleições no país. Esses servidores ficam ligados a uma ideia de ‘conspiração’, ‘fraude’, ‘falta de idoneidade’, o que vem sendo observado de forma crescente em redes sociais e aplicativos de mensagens.”
Para o advogado Carlos Guedes, do escritório Silveira, Martins, Hübner Advogados, um dos responsáveis pela ação, as acusações do presidente Bolsonaro provocam um dano altíssimo à categoria. “Se formos contabilizar o número de pessoas que assistem semanalmente às lives, o número de pessoas que são atingidas por manifestações como essa, o dano provocado é incomensurável”, afirma.
Segundo Márcia Coelho, a Justiça Eleitoral tem sido vítima de uma campanha de difamação há anos. Ela recordou que o presidente, ainda no primeiro turno das eleições de 2018, já havia criado um clima de desconfiança, dizendo que haveria fraude no sistema eleitoral.
De acordo com a secretária, a referida eleição foi extremamente pesada, tensa e gerou um desgaste na categoria, que passou pela pressão e cobrança em relação a seus comportamentos, atitudes e dignidade. “Veja bem, você ouvir alguém questionar o seu trabalho nesse nível é uma coisa que causa um nível de estresse muito alto e de adoecimento. Desde 2018 estamos ouvindo reiteradamente essas acusações, situações fictícias, mentiras que são ditas em relação ao sistema de apuração eleitoral”, aponta, destacando que a ação também pensa na integridade das eleições de 2022, que estão sob ameaça tais posturas.
Ainda conforme analisa Márcia, muitas das denúncias de fraudes eleitorais acontecem por erros cometidos pelos eleitores nas urnas, seja por votarem rápido demais, digitarem o número errado, digitarem o número de um candidato para o cargo errado. Como exemplo, ela cita o caso da eleição de 2018 no RS, que bateu recorde de votos nulos para o cargo governador, porque a pessoa chegava e digitava um número que não existia. Na eleição, 115 mil anularam voto ao votar para presidente no campo de governador.
“O sistema depende de quais teclas são apertadas na urna. Então a questão de fraude, de dizer que colou teclinha ou não colou, por favor, isso é absurdo envolvendo milhares de servidoras e servidores do judiciário. É exatamente o absurdo dessas acusações que a gente está levando adiante com essa ação. Parem de falar mentiras e vamos trabalhar para o sistema se tornar cada vez mais confiável, mais rápido ainda, e não o contrário voltar para a cédula de papel”, ressalta.
Bolsonaro arma justificativa para caso de derrota nas eleições
Para Marcelo Carlini, diretor de Comunicação do Sintrajufe/RS, o problema é de ordem política não de ordem técnica. Em sua avaliação, Bolsonaro está armando uma justificativa para não aceitar uma possível derrota nas próximas eleições, a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos onde manifestantes invadiram o parlamento. “Ele prepara uma base para fazer isso. Nisso ele tenta semear em torno da população o sentimento de que as urnas são previamente fraudadas e as eleições de 2022 já foram fraudadas. Não podemos admitir. Como sindicato nós não temos compromisso nenhum com qualquer resultado eleitoral, mas nós temos compromisso em defender, não aceitar falsas acusações da presidência, que na verdade prepara um golpe à luz do dia”, frisou.
Entre os requerimentos, a ação determina que agentes da União se abstenham de veicular, por rádio, televisão, jornais, revistas, sites ou qualquer outro meio, físico ou digital, qualquer manifestação que sugira à população brasileira a existência de fraude nos processos eleitorais promovidos pela Justiça Eleitoral. Assim como compartilhamento ou qualquer outra maneira fomentar a divulgação de informações que sugiram a existência de fraude nos processos eleitorais. Também determina que a União seja obrigada a veicular campanhas de divulgação sobre a lisura das eleições no Brasil. Por fim, a condenação da União a pagar, a título de danos morais coletivos, R$ 1 milhão aos servidores da Justiça Eleitoral.
Fonte: Brasil de Fato RS