Em nota, profissionais apontam que medida é inconstitucional e configura “ataque ao direito à informação”
Entidades que reúnem jornalistas publicaram, nesta quarta-feira (20), uma nota de repúdio à inclusão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no programa de privatização do governo Bolsonaro. A informação foi divulgada na terça (19) pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), subordinado à Casa Civil.
A nota é assinada pelos Sindicatos dos Jornalistas do Distrito Federal, de São Paulo e do Rio de Janeiro, bem como pelos Sindicatos dos Radialistas dos três estados e pela Comissão de Empregados da EBC. O documento critica o argumento do governo de que a estatal teria problemas financeiros e afirma que a empresa “nunca foi criada para ser autossuficiente, como nenhuma corporação da mídia pública o é”.
“Assim como a gente entende a saúde publica, a educação pública como direitos para toda a população e que precisam de investimento, a comunicação é a mesma coisa. É um direito constitucional e humano, e a EBC é a maior conquista dessa luta. Como direito à comunicação, ela não deve ser encarada como gasto, e sim como investimento e um dever do próprio Estado”, argumenta Márcio Garoni, da Comissão de Empregados da estatal.
O jornalista acrescenta que o orçamento da empresa é considerado baixo, tendo registrado montante de cerca de R$ 600 milhões anuais nos últimos anos. “Se a gente fizer uma regra de três, é como se ela custasse cerca de R$ 3,00 por brasileiro por ano”, ressalta Garoni.
As entidades signatárias da nota acrescentam que a venda da companhia seria “um ataque ao direito à informação da sociedade brasileira” e teria caráter inconstitucional – a Constituição Federal prevê, em seu artigo 223, a existência e a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação.
“Isso é justamente pra garantir o direito à informação de toda a população, uma vez que você precisa de um sistema privado, precisa de um sistema público e de diferentes formas de gestão e financiamento que tragam e garantam a pluralidade de vozes da sociedade. Uma vez a gente não tendo esses diferentes sistemas, você restringe muito o debate público e garante voz apenas a quem tem poder financeiro no Brasil”, argumenta Juliana Nunes, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF).
A dirigente cita como exemplos a atenção dada pela EBC, nos últimos anos, a temas como os direitos indígenas e da população negra. “Pelo fato de ter, a Rádio Nacional da Amazônia, por exemplo, a EBC inclui na sua pauta assuntos que interessam mais às comunidades ribeirinhas e que, muitas vezes, as emissoras privadas, por estarem mais concentradas no Sudeste, não conseguem alcançar a pauta nem as pessoas”, acrescenta.
A nota das entidades ressalta a referência internacional em que se pauta o modelo que fundamentou a criação da estatal.
“Nada mais é do que a repetição de uma modalidade de comunicação que existe no mundo inteiro e que é conhecida por sua qualidade, autonomia e criatividade, como nos casos da BBC do Reino Unido, PBS nos Estados Unidos, RTP em Portugal e NHK no Japão. A mídia pública foi criada nas primeiras décadas do século XX para atender às demandas por informação e cultura dos cidadãos, que não conseguem ser garantidas por empresas em busca de lucro”, afirma o texto.
As instituições signatárias contrapõem ainda a versão do governo – também utilizada pela gestão Temer (2016-2018) – de que a EBC seria vinculada aos governos do PT, o que elas qualificam como uma “confusão proposital”. “Se é fato que sua criação se deu em 2008 e marcou a adoção de mecanismos consagrados internacionalmente (como conselhos com participação da sociedade e mandatos não condizentes com o do presidente da República), a medida consolidou estruturas que já existiam muito antes”, diz a nota.
O documento também pontua que “a mídia pública nasce no Brasil junto com a radiodifusão, com experiências históricas como a Rádio MEC, a Rádio Nacional, as TVs Universitárias e educativas e a TVE” e acrescenta que “a comunicação pública faz parte da história da cultura brasileira conduzida pelos mais diferentes partidos”.
Confira a seguir a nota na íntegra:
Nota de repúdio à inclusão da EBC no programa de privatização pelo governo federal
O governo federal anunciou na terça-feira (19/11) a inclusão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), nome adotado pela gestão Bolsonaro para seu programa de privatizações. A Empresa foi listada entre as que entraram nos estudos para venda total ou parcial, configurando a decisão política de se desfazer (total ou parcialmente) da estrutura, faltando agora a definição da forma como isso será feito.
A destruição da EBC como estrutura pública, seja sua privatização ou extinção, vinha sendo tratada desde a campanha e agora tem a decisão rumo ao fim, embora ainda não concretizada. Permeada por desinformações, a venda total ou parcial da estatal é equivocada por um inúmero conjunto de aspectos. Em primeiro lugar, é inconstitucional, uma vez que a Carta Magna prevê em seu Artigo 223 a existência dos sistemas público, privado e estatal.
A EBC, assim, foi criada para cumprir este mandamento, mas nada mais é do que a repetição de uma modalidade de comunicação que existe no mundo inteiro e que é conhecida por sua qualidade, autonomia e criatividade, como nos casos da BBC do Reino Unido, PBS nos Estados Unidos, RTP em Portugal e NHK no Japão. A mídia pública foi criada nas primeiras décadas do século XX para atender às demandas por informação e cultura dos cidadãos, que não conseguem ser garantidas por empresas em busca de lucro.
Outra confusão proposital difundida tenta vincular a EBC aos governos petistas. Se é fato que sua criação se deu em 2008 e marcou a adoção de mecanismos consagrados internacionalmente (como conselhos com participação da sociedade e mandatos não condizentes com o do presidente da República), a medida consolidou estruturas que já existiam muito antes. A mídia pública nasce no Brasil junto com a radiodifusão, com experiências históricas como a Rádio MEC, a Rádio Nacional, as TVs Universitárias e educativas e a TVE. A comunicação pública faz parte da história da cultura brasileira conduzida pelos mais diferentes partidos.
Um argumento levantado para a suposta inclusão no programa aponta problemas financeiros da Empresa. Mais uma desinformação propositalmente difundida. A EBC nunca foi criada para ser autosuficiente, como nenhuma corporação de mídia pública o é. Ela deve ter receitas da União, não fazendo sentido falar em “deficit”, como o governo faz de forma ardilosa. A EBC não comercializa serviços, como luz e água, mas oferece gratuitamente conteúdos aos cidadãos, por meio de dois canais de TV, duas agências e oito rádios. Milhares de rádios, jornais e sites recorrem a notícias e programas produzidos pela empresa, que além disso ainda dá transparência aos atos de governo transmitindo cerimônias de lançamento e produzindo a Voz do Brasil.
Mas mesmo sendo obrigação da União custear o direito à informação por meio de uma comunicação prevista na Constituição, a EBC tem uma fonte de receitas próprias, instituída por lei, a “Contribuição para o Fomento à Radiodifusão Pública”. O valor represado e não utilizado pelo governo atual e pelas gestões anteriores, hoje por volta de 1,3 bilhão de reais, seria suficiente para custear a empresa por anos. Assim, diferentemente do que diz o Executivo, a EBC não somente não tem deficit, pois este não faz sentido, mas ainda tem muito superavit para ser repassado pelo caixa do Tesouro.
Integrantes do governo já chegaram a tentar justificar o desmonte ou venda da EBC por métricas de audiência. Mais um falso debate. Historicamente a empresa foi preterida ou sabotada (como na transição para a TV digital, entrega de retransmissoras, não transmissão de estações de rádio ou não veiculação em HD no lineup das operadoras de TV paga), com investimento insuficiente para que chegasse às casas do conjunto da população com qualidade.
O aparelhamento pelo atual governo, com a fusão da TV pública (TV Brasil) com o canal governamental (NBR, agora chamada de TV Brasil.gov) contribuiu para prejudicar a atratividade das emissoras. Mas, ainda assim, elas são as que mais veiculam programação infantil, são um dos principais exibidores de conteúdo audiovisual nacional e possuem programas educativos não disponíveis em nenhuma outra emissora aberta. Além disso, as rádios EBC têm papel chave de promoção da música brasileira, além de abastecer uma enorme área na Amazônia Legal.
Por essas, e tantas outras razões, a inclusão da EBC no PPI do governo federal significa um desrespeito à Constituição, um ataque ao direito à informação da sociedade brasileira e uma redução da transparência do Poder Executivo. Conclamamos a sociedade a lutar conosco para reverter esta medida.
Contra a privatização parcial ou total da EBC!
Em defesa da EBC, patrimônio do povo brasileiro!
Em defesa da Comunicação Pública!
Sindicatos dos Jornalistas do DF, RJ e SP
Sindicato dos Radialistas do DF, RJ e SP
Comissão de Empregados da EBC
Fonte: Cristiane Sampaio, no site Brasil de Fato, e foto de Marcelo Camargo, da Agência Brasil.