A história brasileira, para quem está na base da pirâmide, no lado mais fraco da corda, sempre se repete. É periódica, e, amiúde, afunda ou arrebenta. Os ataques aos direitos trabalhistas e às conquistas sociais da população, como diz a máxima, “vão, voltam e teimam em ficar”.
Em 2017, tivemos a aprovação da Lei 13.429, que permitiu a terceirização ilimitada e irrestrita. Seguida de uma reforma das mais cruéis: a trabalhista. Depois, em 2019, veio a da Previdência. A argumentação para aprová-las foi uma miragem no deserto: geração de emprego e renda e sistema previdenciário falido. Foi vendida uma falsa realidade.
De lá para cá, o desemprego aumentou, batemos recordes, e, hoje, atinge 15 milhões de pessoas. Há especialistas que alertam que ele pode estar em 20 milhões.
Agora, a Câmara aprovou a Medida Provisória nº 1045, que está sendo chamada de minirreforma trabalhista e previdenciária. O texto está tramitando no Senado. Ela contém vários “jabutis”, emendas fora de contexto, com objetivo de fragilizar o mundo laboral. Outras são totalmente inconstitucionais, na avaliação de especialistas do mundo jurídico.
O Executivo, pela proposta em análise, tem liberdade para criar regras sobre emprego em situações de emergência de saúde pública ou estado de calamidade. E o pior, sem a participação do Congresso. Isso é uma afronta à competência e à atuação do Legislativo.
O acesso gratuito à Justiça do trabalho, nos juizados especiais federais e na justiça comum, ficaria limitado às pessoas com renda mensal per capita de até meio salário mínimo; ou àquelas com renda familiar mensal de até três salários mínimos; e à pessoa física que, durante a vigência do contrato de trabalho mais recente, ainda que esse não esteja mais vigente, percebeu salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Estamos falando não só dos trabalhadores que buscam ter seus direitos assegurados, recebimento de salários, FGTS, 13º, hora-extra, mas também de aposentados, pensionistas, beneficiários do auxílio-doença, consumidores.
O programa REQUIP de qualificação para jovens de 18 a 29 anos, pessoas sem registro na carteira há dois anos, pessoas de baixa renda vindas de programas federais de transferência de renda é uma modalidade de contratação que, observem, não configura vínculo empregatício, mesmo quando exista a subordinação.
Esse programa é tão absurdo que não caracteriza categoria profissional, vejam vocês, vedando negociação coletiva. A qualificação profissional prevista nele está limitada à carga horária de 180 horas anuais de formação, sem previsão de diretriz curricular. Há a previsão de não pagamento do adicional de periculosidade.
O cenário é cruel. São mais de noventa emendas: fim do FGTS; redução salarial; fim das férias remuneradas e do 13º salário; pagamento de bônus valendo a metade do salário mínimo no lugar do salário; afastamento dos sindicatos das negociações coletivas.
A MP 1045 dá continuidade às perversidades da reforma da Previdência. Aponta para redução e até o fim das contribuições, diminuindo a arrecadação e prejudicando as contas do sistema. O objetivo, sabemos: justificar a adoção da capitalização, ou seja, a privatização da Previdência. Sem dúvida, os pobres serão os mais penalizados.
O Ministério Público do Trabalho afirma que a proposta tem o risco de gerar insegurança jurídica e consequências altamente danosas para a sociedade. Associações, entidades de juristas e centrais sindicais se manifestaram contrários, por entender que ela é negativa para o já fragmentado mundo do trabalho brasileiro.
“Suas proposições não têm efetividade para a criação de ambiente favorável à retomada da atividade econômica e do emprego, contribuindo, ao contrário, para aprofundar a exclusão e as desigualdades sociais”.
O Brasil precisa, neste momento, aumentar a cobertura dos programas sociais e de geração de emprego e renda. Não temos, efetivamente, um plano de crescimento e de desenvolvimento sustentável para o País.
Apresentei requerimento para a realização de uma sessão temática sobre o tema no plenário do Senado. Espero que a Casa tenha sensibilidade. Não podemos fugir do debate e do diálogo. A MP 1045 não pode ser votada a toque de caixa.
Um País como o nosso, que tem 60 milhões de pessoas vivendo na pobreza e 13 milhões na miséria, quase 600 mil óbitos por covid-19, não pode aceitar a ação perversa e a pressão do setor financeiro e do mercado. Estamos nos desmanchando, nos diluindo, na incapacidade de governança. Isso é trágico em todos os sentidos.
O editor Ênio Silveira, em uma das primeiras traduções de Ernest Heminway, assim perguntou: “Por quem chora aquele sino?” “Aquele sino chora por todos nós.” Isso significa unidade. “Somos um todo, e tudo que afeta também qualquer uma das partes afeta, de um modo ou de outro, todas as mais.”
A MP 1045 é desumana, cruel e impiedosa. Ela atinge a vida e o cotidiano de homens e mulheres, do campo e da cidade. Sim. Por quem os sinos dobram? Dobram por você povo brasileiro, pelos trabalhadores e trabalhadoras.
Fonte: Artigo do Senador Paulo Paim no Jornal do Brasil