Agressões ocorreram na unidade da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo no complexo da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre
A Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS) ajuizou uma ação coletiva, nesta terça-feira (13), pedindo o afastamento imediato de quatro servidores da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (FASE), por relatos de agressões físicas e psicológicas contra adolescentes. Os casos, de acordo com as denúncias, teriam acontecido no setor de atendimento especial da Comunidade Sócio-Educativa (CSE), no complexo da Vila Cruzeiro, em Porto Alegre.
“Aqui não existe socioeducação, aqui é cadeia”. “Não vai dar em nada, o que vale é unicamente a palavra dos agentes”. “Pode até chorar ao Defensor, mas aqui é lugar de homem”, “Homem que é homem não chora, mata na caixa”. Essas são algumas das ameaças proferidas por agentes aos internos da CSE, de acordo com oitiva da Defensoria Pública do RS.
Fora a violência psicológica, a ação coletiva relata casos de agressão física e até tentativa de suicídio. De acordo com o defensor público Rodolfo Lorea Malhão, a DPE tomou conhecimento após um adolescente, durante um procedimento administrativo disciplinar, relatar a uma defensora que tinha sido agredido. O fato teria acontecido no dia 3 dezembro. A defensora requisitou as imagens das câmeras de monitoramento onde, segundo Rodolfo, fica extremamente visível que o adolescente recebeu cabeçadas e soco na cabeça enquanto estava algemado. No vídeo, outra servidora presencia os atos de violência e apenas observa, sem qualquer reação.
“A partir deste fato comprovando de que havia violência na unidade, a Defensoria ouviu todos os outros adolescentes internados, e grande parte deles narram terem sofrido violência. Eles se encorajaram a partir de saber que existe uma agressão comprovada, e narraram que foram vítimas de violência. Eles disseram que eram vítimas sempre que ingressavam na unidade de atendimento especial (destinado aos internos que cumprem sanções disciplinares), que na verdade se revestia de um isolamento, o que é impedido por lei. Nesse isolamento eles só tinham o direito de pedir água, descarga papel higiênico. Não recebiam atendimento especial previsto no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Além disso eram ameaçados como punição das faltas disciplinares e também como prevenção de conflitos”, descreve o defensor.
Dos 24 adolescentes na instituição, foram coletados mais de 20 depoimentos. O Brasil de Fato RS teve acesso a ação coletiva onde constam os relatos das agressões físicas e ameaças. Entre elas, por exemplo, de que os jovens seriam amarrados em posição de porquinho (com os braços e algemas para trás), espancados e jogados das escadas. Outro disse que foi tratado “igual bicho” no período que ficou em atendimento especial. Não pôde falar, nem conversar com outro interno. “Isso para ter uma ideia da gravidade das violências psicológicas que os adolescentes sofreram, o que configura crimes de tortura e de abuso de autoridade”, aponta Rodolfo.
De acordo com o defensor, mesmo com a comunicação feita pela Defensoria, os agentes agressores não foram afastados do isolamento. “Quando um desses adolescentes foi acusado de praticar uma falta funcional acabou voltando para o isolamento, e encontrou os agentes que ele teria denunciado poucos dias atrás e nessa data tentou o suicídio se enforcando com um pedaço do cobertor que ele rasgou e amarrou no teto.”
Em razão disso, os defensores Rodolfo, Paula Simões Dutra de Oliveira e Fernanda Pretto Fogazzi Sanchotene solicitaram a interdição da unidade e pediram indenização pelo dano moral coletivo no valor de R$ 500 mil, que deve ser destinada a fundo voltado à qualificação profissional dos adolescentes em cumprimento de medida. A ação foi ajuizada no Terceiro Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre. Além de pedir a interdição da unidade, os defensores solicitaram que seja proibida a destinação de jovens ao setor de atendimento especial, local em que ocorreram as agressões.
“Quando o adolescente ingressa na Fase para socioeducação, jamais se pode admitir que ele seja vítima, entre em contato com mesma situação de licitude e violência que ele encontrava na rua. Quando ele entra para guarda e tutela do Estado ele precisa ser socioeducado e receber a atenção que ele nunca teve, e que acabou levando, no seu contexto social, a prática de atos infracionais. E quando ele entra na Fase e se verifica e se depara com a mesma violência e com a mesma licitude que encontrava na rua a sociedade não pode esperar que esse adolescente retorne como socioeducado para sair da Fase e manter uma conduta afastada do licito”, conclui Rodolfo.
Em despacho publicado nesta terça, a juíza Karla Aveline de Oliveira intima a Defensoria para se manifestar quanto à incompetência para processar pedido de dano moral. Assim como, anteriormente à análise da pretensão liminar, oportunize-se vista ao Ministério Público, no prazo de cinco dias.
Em nota divulgada pela imprensa, a FASE comunica que a corregedoria da instituição abriu os expedientes de apuração antes mesmo da Defensoria Pública ingressar com a ação judicial. “Os expedientes estão em fase de apuração, ou seja, em andamento”, informa.
Abaixo, a nota completa:
A Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE) informa que tão logo a direção da Comunidade Socioeducativa (CSE) teve conhecimento do fato comunicou formalmente à Direção-Geral e à Corregedoria da Fundação, setor responsável pela apuração por qualquer falta funcional.
A Corregedoria da FASE abriu os expedientes de apuração antes mesmo da Defensoria Pública ingressar com a ação judicial. Os expedientes estão em fase de apuração, ou seja, em andamento.
A FASE informa que ainda não pode se manifestar sobre a ação, noticiada nas redes sociais da DPE, pois até o momento não foi citada.
Fonte: Brasil de Fato RS