O empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, ofereceu um jantar em sua mansão em Brusque, Santa Catarina, para mais de dez desembargadores e juízes do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O evento foi uma “homenagem de Natal” e contou com a presença de figuras importantes do Poder Judiciário em Santa Catarina, como os desembargadores Stephan Klaus Radloff, Saul Steil, José Everaldo Silva, Tulio José Moura Pinheiro, Haidée Denise Grin, Ernani Guetten de Almeida (ex-procurador do Ministério Público de Santa Catarina), Gilberto Gomes de Oliveira, André Carvalho (ex-procurador do MP-SC) e Jairo Fernandes Gonçalves, além dos juízes Sérgio Agenor de Aragão e Leandro Passig Mendes.
Alguns desses magistrados já haviam julgado ou ainda julgam processos envolvendo Luciano Hang ou sua rede de lojas, e muitos deles deram ganho de causa ao empresário, constatou o DCM.
A presença Juízes e Desembargadores numa atividade privada de um empresário do qual julgam processos, senão ilegal, é no mínimo explicitar o que muitos dizem que há, mas que acaba sempre ficando nas entrelinhas, ou pior, normalizado por setores da sociedade que por terem dinheiro, se julgam acima da lei.
Entre os comensais togados estava por exemplo, o desembargador Saul Steil, que aparece sorrindo e brindando na foto do jantar de Hang, em primeiro plano, à direita.
Em decisão monocrática que proferiu em setembro de 2021, ele determinou que o jornal “Folha de S.Paulo” publicasse um texto a título de direito de resposta a Luciano Hang. O motivo: a publicação de reportagem que informava que o empresário teria sido alvo de um relatório elaborado pela Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.
No processo, o jornal afirmou que “o relatório da Abin foi obtido por meio de um integrante daquela agência e teve a sua veracidade corroborada por outras fontes da própria Abin, da Polícia Federal, do GSI – Gabinete de Segurança Institucional – e pelo senador Renan Calheiros, relator da CPI da Pandemia”.
Para o desembargador e comensal de Hang, porém, o fato de a Abin (então sob o comando do general Augusto Heleno) ter negado oficialmente a existência do relatório provava que se tratava de uma notícia que não poderia ter sua veracidade garantida, ainda que Renan Calheiros tivesse confirmado a existencia do relatório.
Assim escreveu o desembargador em sua decisão favorável a Hang:
“Somado à veracidade e ao interesse público, a mídia tem o dever de evitar que o conteúdo difundido afronte os direitos da personalidade de outrem. A liberdade de informação não pode ser exercida com o intuito de difamar, injuriar ou caluniar.”
Outro que já deu vitória a Luciano Hang contra a mesma “Folha de S.Paulo” é o desembargador Jairo Fernandes Gonçalves, que figura sorridente (à esquerda, em primeiro plano) na imagem do jantar bancado pelo empresário.
Em abril de 2021, ele julgou procedente um recurso de Hang que buscava obter direito de resposta contra o jornal, que havia publicado reportagem sobre disparos ilegais de mensagens via WhatsApp na eleição presidencial de 2018. O título e o subtítulo da reportagem eram: “Empresas bancam disparo de mensagens anti-PT nas redes – Serviços contratados efetuam centenas de milhões de disparos no WhatsApp e ferem a lei eleitoral”.
Para o magistrado, na ocasião, houve “ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, assim como do princípio da cooperação, preceitos fundamentais do atual Código de Processo Civil.”
Desembargador fã de Olavo de Carvalho estava entre os comensais
O desembargador Stephan Klaus Radloff, que figura no fundo à esquerda na foto do jantar de Hang, erguendo sua taça para o brinde, era um fã declarado do escritor falecido Olavo de Carvalho. O magistrado frequentemente comentava as postagens nas redes sociais do ideólogo da extrema direita.
Em uma delas, em que Olavo dizia que “a putada comunista universitária” era incapaz de refutar seus argumentos sobre as contradições do socialismo, o desembargador e comensal de Hang fez coro ao escritor, enaltecendo a “exatidão de sua sentença”, como pode se ver em reprodução abaixo.
Já em outra postagem, Olavo de Carvalho afirmava que Sigmund Freud, pai da psicanálise, “não entendia porra nenhuma” de assuntos ligados à sexualidade. “Ele só comia a cunhada”, afirmava o escritor, o que foi reputado como verdade pelo magistrado catarinense. Veja reprodução abaixo.
Nas redes sociais do convidado de Hang ainda é possível ler postagens de conteúdo negacionista em relação aos métodos preventivos utilizados durante a pandemia de covid-19 e foto do desembargador utilizando farda do Exército dos Estados Unidos, além de imagens que mostram seu gosto por artigos de luxo, como bebidas e charutos importados. Veja exemplo abaixo.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina não se pronuncia
No início desta manhã (17), o DCM tentou contato telefônico e enviou mensagem de e-mail para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, convidando o órgão e os desembargadores citados nesta reportagem a comentarem o episódio. As seguintes perguntas foram enviadas à assessoria de imprensa do TJ-SC:
– O TJ-SC considera correto, do ponto de vista ético, que tantos magistrados sejam recebidos em jantar oferecido por empresário que possui dezenas de processos julgados neste tribunal?
– É algo corriqueiro que magistrados deste tribunal atendam a jantares com pessoas que têm processos por eles julgados?
Até a publicação da reportagem, não houve qualquer resposta ao DCM.
Fonte: DCM via Luiz Müller Blog