Bolsas e auxílios de assistência são a única fonte de renda dos estudantes de cursos em período integral
Bolsistas de universidades e institutos federais de todo o país têm sentido os impactos dos cortes de verbas no Ministério da Educação (MEC) decretado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) nos últimos dias. Com as incertezas quanto ao pagamento das bolsas de graduação, pós-graduação e extensão, os estudantes relatam preocupação com o futuro e temem não ter dinheiro para arcar com contas básicas: alimentação, moradia e transporte.
De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o bloqueio realizado no início de dezembro é de R$ 431 milhões. Além das bolsas estudantis, esse cenário compromete salários de funcionários terceirizados e outras despesas essenciais, como água e luz.
No Rio Grande do Sul, seis universidades federais informaram que somam, juntas, um corte de R$ 24,8 milhões: UFSM (R$ 12 milhões), UFCSPA (R$ 4 milhões), UFFS (R$ 3 milhões), Unipampa (R$ 2,4 milhões), Furg (R$ 1,7 milhão) e UFPel (R$ 1,7 milhão). A UFRGS, a maior Universidade do estado, não divulgou déficit. Já o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul teve uma perda de R$ 12,88 milhões.
“Essa medida de corte das bolsas afeta grupos muito específicos”
Natural de São Paulo, o estudante Giorgio Pereira veio para a capital gaúcha para realizar um sonho. Atualmente, ele está cursando o 4º semestre de Medicina na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Cotista de escola pública e renda, Giorgio vive exclusivamente do dinheiro que recebe do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).
“Eu fui pego de surpresa com a notícia de que os institutos federais estavam sem dinheiro. Foi aí que o pesadelo de fato começou. Eu dependo exclusivamente desses auxílios concedidos pelo governo federal por meio da bolsa de permanência, bolsa alimentação e a da bolsa de extensão no Núcleo de Inclusão e Diversidade (NID) da UFCSPA.”
Ele conta que, apesar da renda da Universidade ajudar, não é o suficiente: “Eu preciso fazer trabalho por fora, trabalho em bar para complementar essa renda”.
Na última quinta-feira (8), o governo anunciou a liberação para cobrir de forma integral bolsas e auxílios Pnaes. No entanto, de acordo com Giorgio, o pagamento de suas bolsas não foi realizado até o fechamento desta matéria. “As ações afirmativas garantiram que eu pudesse estar realizando o meu sonho de cursar Medicina em uma universidade pública de qualidade, mas agora isso está sendo colocado em risco”, relata.
Para o estudante, cortes de recursos da educação fazem parte de uma conjuntura necropolítica. “Essa medida de corte das bolsas afeta grupos muito específicos que são estudantes de baixa renda, sobretudo pessoas negras. Pois, assim como eu, outros estudantes negros são frutos das ações afirmativas”, enfatiza Giorgio.
“É por esses cortes que é fomentada a pobreza de estudantes, a subalternidade, a falta de acessos. Não tem como negar que o curso de Medicina é um fator de ascensão de vida pra mim e para os meus familiares porque o acesso ao ensino superior garante que eu tenha uma condição de vida melhor.”
Sem dinheiro para chegar ao campus
Hayra Kohler Schleicher, estudante do último ano do Curso Técnico em Química Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), conta não ter previsão de receber o valor da sua bolsa no Núcleo de Memória do IFRS (NuMem/IFRS), oferecida pelo Programa Institucional de Bolsas de Extensão (Pibex). Após os cortes, ela relata medo de ficar sem dinheiro para passagens.
“Moro em Nova Petrópolis e estudo em Caxias do Sul, passo quatro horas por dia no transporte ou na rodoviária. Não consigo trabalhar em algum lugar físico, por isso, as bolsas são muito importantes pra mim. Estudar no IFRS sempre foi meu sonho, mas não é fácil”, conta.
Além dos custos com as passagens de ônibus, Hayra também precisa pagar van. “Por mês, é como se eu pagasse a mensalidade de uma escola particular. O valor da bolsa, apesar de não ser muito, ajuda bastante a ter o mínimo de ‘independência financeira’. Mas no momento, não temos previsão de quando vamos receber.”
“Mesmo sem investimento, conquistamos coisas incríveis, prêmios nacionais e mundiais no âmbito da pesquisa, ensino e extensão. Imagina o que poderia ser feito com incentivo e recurso?”, questiona a estudante.
A bolsa como única fonte de renda
Doutorando em Ciências Farmacêuticas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cesar Hoffmann é pesquisador da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Sem o repasse da bolsa, ele diz não ter como pagar alimentação, aluguel e demais gastos pessoais. “A sorte é que eu divido o apartamento com um pessoal e eles sabem dos cortes, então eu consigo negociar”, conta.
“É a minha única fonte de renda, a gente não consegue ‘trabalhar’ pela Capes porque ela exige dedicação exclusiva”, destaca Cesar. Pelas próprias regras da Capes, os beneficiários não podem manter vínculo empregatício CLT durante o período que exercem atividades de pesquisa.
A Capes informou na última sexta-feira (9) ter efetuado o pagamento de todas as bolsas de pós-graduação. Os depósitos deveriam ter sido feitos até o quinto dia útil do mês, mas, por causa dos bloqueios de verba anunciados pelo Ministério da Educação (MEC), a instituição havia declarado que todos os bolsistas ficariam sem salário.
Ao Brasil de Fato RS, o doutorando confirmou ter recebido o pagamento. No entanto, o valor é referente ao mês de novembro. “A gente recebe retroativo, agora é esperar alguma novidade até o fim do ano, pois a bolsa de dezembro [a que deve ser efetivada no início de janeiro] está comprometida e não tem previsão”, explica.
Com dez anos de formado, o doutorando comenta nunca ter presenciado um cenário tão grave. “É bem complicado ser bolsista no Brasil, mas eu nunca tinha visto uma situação como essa de afetar todos os bolsistas.”
Linha do tempo dos cortes nas verbas destinadas ao MEC
Em junho, o MEC já havia sofrido um corte de R$ 1,6 bilhão. No entanto, a primeira ameaça ao funcionamento das instituições públicas de ensino superior aconteceu ainda em janeiro, quando Jair Bolsonaro (PL) sancionou o Orçamento de 2022. A pasta da Educação perdeu R$ 739,9 milhões do total de R$ 113,4 bilhões aprovados pelo Congresso em dezembro.
O valor retirado de universidades e institutos federais em junho foi de R$ 438 milhões. Em outubro, houve um bloqueio temporário de R$ 328,5 milhões nas instituições; a verba foi liberada posteriormente. Em novembro, o corte foi de R$ 366 milhões, que chegou a ser “cancelado” e retomado no mesmo dia. O bloqueio mais recente é de R$ 431 milhões.
Caso a verba não seja liberada, as instituições públicas de ensino superior temem pelo funcionamento em 2023.
Fonte: Brasil de Fato RS