Concessão dada ao Grupo Macri representou saída de capitais do país e deu um rombo de $300 milhões de dólares no Estado
O tema da privatização dos correios na Argentina é antigo, mas permanece uma história sem desfecho. A concessão do serviço estatal à Socma (Sociedade Macri) – que durou até a reestatização dos correios, no governo de Néstor Kirchner, em 2003 –, resultou em um rombo de US$ 300 milhões. O Estado busca receber essa soma há 20 anos.
O longo processo judicial contra a Socma, cujo líder é Franco Macri, pai do ex-presidente Mauricio Macri, ainda deve se prolongar no tempo. Nesta quarta-feira (14), os advogados do grupo financeiro conseguiram, com uma apelação, reaver a decisão da juíza Marta Cirulli, que declarou a quebra do Correo Argentino S.A. na semana passada.
“Não subestimo a capacidade dos advogados [da Socma] para encontrar brechas e a capacidade midiática do grupo Clarín para protegê-los”, afirmou o procurador do tesouro, Carlos Zannini, em entrevista à rádio El Destape, após a declaração de quebra da empresa Correio Argentino S.A., que não opera desde a reestatização.
“Fico muito feliz com a declaração de quebra. Essa gente demonstrou muita capacidade para dilatar o cumprimento de suas obrigações”, afirmou Zannini.
De uma empresa de bom funcionamento a recurso para retirada de dólares do país, o que aconteceu com os correios na Argentina deixa uma lição para o Brasil, que busca seguir os mesmos passos.
“Qual o sentido de privatizar algo que rende frutos ao Estado?”, indaga o historiador Alejandro Olmos Gaona, especialista em direito internacional. “A influência dos lobbies internacionais faz pensar o que eles querem em função de seus interesses, e não dos interesses do país.”, acrescentou.
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A longa história da privatização dos correios argentinos
Os serviços postais, historicamente estatais, como no Brasil, foram privatizados em 1997, junto a uma série de outros serviços, como água, eletricidade e telefonia, durante o governo neoliberal de Carlos Menem. Empresas, mesmo que rentáveis e bem administradas pelo estado, passaram pela chamada reforma do estado.
Olmos conta que investigou sobre a família Macri e colaborou com informações para o processo no caso dos Correios, nesse período encontrou três documentos de 1992 que demonstram o funcionamento desse sistema de privatizações.
“Encontrei três cartas confidenciais no arquivo do Ministério da Economia enviadas à comunidade financeira, em 1992, pelo diretor-gerente do FMI, pelo presidente do Banco Interamericano e pelo presidente do Banco Mundial, incentivando o apoio ao governo argentino, porque este se havia comprometido a vender as empresas do Estado, a reformar a lei da aposentadoria e modificar a legislação do trabalho, porque era restritiva para os investimentos estrangeiros”, conta.
Assim, o Grupo Macri recebeu a concessão dos correios, através da empresa Correo Argentino S.A., e começou um processo de enxugamento. Pelo menos 100 sucursais foram fechadas em todo o país e o número de funcionários foi cortado quase pela metade: dos 20 mil trabalhadores, 10.500 foram demitidos.
Em 1999, o Grupo Macri também deixou de pagar ao Estado sua parte do contrato de concessão, como resposta a um acordo não cumprido por parte do governo de conferir à Socma o controle total sobre a distribuição, administrada por outras duas empresas nesse momento.
Em 2001, o Grupo Macri apresentou a empresa Correo Argentino S.A. em concurso preventivo de credores, alegando não poder pagar suas obrigações com o Estado.
“Se apresentaram em concurso, sem dizer que deixaram de pagar o que lhes correspondia ao Estado”, diz Olmos, que indicou à fiscal do caso, Gabriela Basquin, o relatório que revela o enriquecimento ilícito da família Macri no comando dos correios.
“Com os correios, retiraram 4.800 milhões de dólares do país”, diz. “Em 2002, a Comissão Investigadora da Fuga de Capitais da Câmara dos Deputados revelou que as empresas do Grupo Macri levaram mais de 50 milhões de dólares ao exterior. Trata-se de uma velha prática de grupos empresários: levar o dinheiro, não investir, conseguir a maior quantidade de benefícios dos governos da vez”, aponta Olmos.
O processo sobre esse concurso é o que ainda segue em andamento. “Em condições normais, o procedimento de um concurso preventivo dura, no máximo, uns três anos. Este começou em 2001 e dura até hoje. Depois de negociações, apresentação de escritos, trâmites judiciais: quando levadas por hábeis advogados, as coisas podem se dilatar extensamente”, ressalta Olmos.
Com a chegada de Néstor Kirchner à presidência, o Estado retomou os serviços postais com o Correio Oficial da República Argentina S.A. (CORASA).
“Temos que partir da base de por que se privatizar algo. A empresa é deficitária? Por que não pode ser administrada pelo Estado em boas condições? Por que acreditamos que ao transferir ao setor privado irá funcionar?”, são questões deixadas pelo historiador e investigador da dívida argentina.
“Esse velho conceito de que o Estado é mau administrador deve mudar. Não acho que a privatização, em si, seja uma fatalidade, mas a teoria é uma coisa. Na prática, quando algo é privatizado, o Estado perde o poder sobre esse bem e tratam, por todos os meios, de maximizar os lucros da empresa e desmantelá-la. O sistema de privatizações não é transparente, beneficia ao setor privado, prejudica ao setor público e tampouco beneficia aos usuários”, conclui.
Fonte: Brasil de Fato