Quase 200 anos após o Massacre dos Porongos, soldados escravizados da Revolução Farroupilha recebem o título que merecem
Quase 200 anos depois do fatídico Massacre dos Porongos, os Lanceiros Negros foram, finalmente, inscritos no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. A Lei 14.795, com esse objetivo, foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicada nesta segunda-feira (8) no Diário Oficial da União. A decisão faz parte de uma reparação histórica que reconhece e homenageia a importância e contribuição desse grupo na história brasileira.
Os Lanceiros Negros desempenharam papel crucial na Revolução Farroupilha, guerra do Rio Grande do Sul contra o Império. Com a sanção, terão seu legado inscrito no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. O livro é um documento que preserva os nomes de pessoas que marcaram a história do Brasil.
A lei foi originada de um projeto (PL 3.493/2021) do senador Paulo Paim (PT-RS) aprovado na Comissão de Educação e Cultura (CE) do Senado, em março de 2023, e também na Câmara dos Deputados, em novembro.
Paim ressaltou que o destacamento militar trata-se de mártires que foram homens e guerreiros brilhantes. Composto por ex-escravizados que lutaram ao lado do exército Farroupilha, em meados do século 19, com a promessa de liberdade, previamente desarmados e separados do resto das tropas, foram brutalmente assassinados pelas forças imperiais.
“Colocar os Lanceiros Negros no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, como está fazendo o Senado da República, é muito mais do que uma homenagem, é um reconhecimento histórico. É resgatá-los, enfim, para a nossa memória. É assegurar a liberdade coletiva e a nossa identidade nacional, trazendo do passado silenciado a sonoridade vivida para o presente”, ressaltou Paim.
Lanceiros Negros: da promessa de liberdade à traição
Também conhecida como Revolução Farroupilha, a guerra civil mais longa do Brasil foi travada durante dez anos, de 1835 a 1845, entre republicanos e imperialistas. Segundo Paulo Paim, uma das questões menos estudadas e menos conhecidas da Guerra dos Farrapos é a contribuição dos negros na luta e o importante papel dos Lanceiros Negros.
O corpo de soldados era formado por negros livres ou libertados pela revolução — com a condição de lutarem como soldados pela causa republicana — ou por ex-escravizados. Eram conhecedores da lida campeira, domadores, charqueadores. Escravizados, tinham a promessa de alforria por ocasião da vitória final.
Eles usavam como vestuário sandálias de couro, colete, chiripá de pano e braçadeira vermelha, simbolizando a República. Foram combatentes ao lado dos farrapos e contra as tropas imperiais, montados em seus cavalos e armados com lanças compridas.
Entretanto, apesar de considerados a tropa de choque do exército farroupilha, os negros acabaram se tornando um obstáculo para a negociação de paz com o Império.
Conforme historiadores, no atual município de Pinheiro Machado, fronteira com o Uruguai, durante à noite na Batalha de Porongos, em 14 de novembro de 1844, os Lanceiros Negros foram desarmados e mais de 100 foram mortos pelo exército imperial. Os remanescentes do grupo de cerca de 400 não tiveram a promessa de libertação concretizada ao fim do conflito, o que deixou um amargo legado de desilusão.
O episódio conhecido como Massacre de Porongos, uma chacina de heróis negros, teria sido facilitado pelo general David Canabarro, nome forte dos farroupilhas, em um ato de traição. Além disso, documentos provam que líderes farroupilhas foram ao Rio de Janeiro tratar a paz e a entrega dos negros ao Império. Quatro meses depois, em 1845, seria assinado o Tratado de Poncho Verde, selando o fim da guerra. Sem a liberdade prometida aos escravizados e com a maioria dos soldados negros mortos.
“O acordo era libertar os negros, mas por que não foram libertos? Porque estava em jogo a questão dos escravos no Brasil. Se se libertassem aqueles negros, duas centenas de negros, isso seria como um pavio de pólvora em todo o Brasil, exigindo-se a libertação de todos os negros. E os escravocratas da época, entendendo isso, não concordaram. Só concordaram com o acordo se matassem todos os negros que participaram da revolução. Que libertem os índios — dizia um documento da época —, que poupem os índios, mas matem os negros. O que estava em jogo ali era a liberdade do povo negro, o fim da escravatura no Brasil. Mas serviu como farol e ajudou muito para que a liberdade viesse no futuro”, comenta o senador Paulo Paim.
* Com informações da Agência Senado.
Fonte: Brasil de Fato RS