Entenda o que é assédio sexual no trabalho e como se defender

O Brasil registrou, somente no primeiro trimestre de 2023, um total de 831 denúncias de assédio sexual no ambiente laboral, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT). No mesmo período de 2022 foram 393 denúncias. Ou seja, os números mais que dobraram. No entanto, o número de casos pode ser muito maior, já que há vítimas que, por medo do assédio em si e de perder o emprego, simplesmente se calam.

A cartilha “Enfrentamento ao assédio moral, assédio sexual e discriminação no trabalho bancário”, elaborada pelo escritório LBS Advogados e Advogadas, que presta assessoria jurídica à CUT e sindicatos, define o assédio sexual como “todo comportamento indesejado de caráter sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Diferentemente de importunação sexual, o assédio sexual se refere exclusivamente ao ambiente e as relações de trabalho. Veja mais abaixo a diferença entre essas duas formas de violência.

Está na Lei: No Brasil, o assédio sexual é crime, previsto no artigo 216-A do Código Penal. “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” diz o texto.

A pena prevista é de detenção de um a dois anos de prisão e pode ser aumentada em até 1/3, caso a vítima seja menor de 18 anos.

Na prática o assédio sexual são as situações em que opressores ‘ultrapassam os limites’ com o intuito de satisfazer seus desejos perversos mesmo contra a vontade da vítima.

Não é necessário que haja contato físico para que o assédio sexual seja caracterizado, ou seja, agressões verbais fundadas em comentários, expressões e intimidações também são formas de ofender e atentar contra a intimidade da vítima. Isso pode se dar inclusive no âmbito virtual. O assédio sexual também ocorre pelos meios eletrônicos como WhatsAPP, e-mail e redes sociais.

Exemplos de assédio:

As situações mais comuns de assédio sexual são:

  • Condicionar promoção a favores sexuais;
  • Toque, abraços ou carícias sem consentimento;  
  • Elogiar com conotação maliciosa ou sexual os atributos físicos da trabalhadora;
  • Stalking, ou seja, a prática de vigiar a vida privada da vítima, incluindo contato por telefone ou redes sociais de forma intimidatória;
  • Exposição intimidatória de situações constrangedoras, humilhantes, inoportunas ou vexatórias;
  • Atitudes maliciosas como a exibição de conteúdo sexual fora de contexto;
  • Brincadeiras inconvenientes e apelidos de cunho sexual

Quem é o agressor

O assédio sexual pode ocorrer entre chefia e subordinados, entre colegas do mesmo nível hierárquico, entre subordinado e chefia e até mesmo pode ser praticado por pessoas não vinculadas à relação de emprego (como clientes e prestadores de serviço).

Entretanto, apenas o assédio sexual praticado por superior hierárquico com o objetivo de obter vantagem ou favorecimento sexual é considerado crime.

E é justamente esse tipo de assédio sexual que ocorre na maioria dos casos, ou seja, entre um superior homem e uma subordinada mulher, situação em que o assediador se vale de sua posição na hierarquia para chantagear a vítima.

Trocando em miúdos: é o chefe que quer favores sexuais da trabalhadora ou do trabalhador, oferecendo vantagens como aumento de salário, promoção, entre outras situações e até mesmo pelo simples fato de a vítima ser uma mulher.

Condições para que o assédio se caracterize como sexual

Ouvida pelo Portal da CUT em entrevista sobre o tema, a procuradora do Minsitério Público do Trabalho, Adriane Reis, explicou que para que o assédio seja configurado como sexual, ao contrário do assédio moral, não é necessário que haja repetição da conduta. Basta um único ato. E pode ser dentro ou fora do ambiente de trabalho. Isso significa que até mesmo por mensagens de texto, a prática pode ser considerada assédio sexual.

“O conceito da convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho [veja mais abaixo] dispensa a necessidade de repetição do assédio. Basta que esta conduta inaceitável tenha danos psicológicos ou psiquiátricos, ou potencialmente, possam gerar esses danos para que seja caracterizado o assédio. Essa convenção diz que possível ter situação de assédio moral num único ato e o atual manual do MPT fala em atos repetidos, por isso precisamos atualizá-lo de acordo com a convenção da OIT”, disse a procuradora.

Crime

De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), há duas interpretações em relação à prática:

  • o assédio pode ocorrer pelo simples constrangimento da vítima;
  • o assédio pode ocorrer pela prática contínua de atos constrangedores.

O gênero da vítima não é determinante para a caracterização do assédio como crime. Apesar de as mulheres serem maioria, homens também podem ser vítimas de assédio.

Tal entendimento é de 2001, quando o artigo 216-A foi introduzido no Código Penal. O artigo reza que a prática é punível independentemente do gênero. No entanto, ainda de acordo com informações do TST, estatisticamente, a prática se dá preponderantemente em relação às mulheres.

Direitos

Ainda que o assédio sexual seja da competência da Justiça Comum, a Justiça do Trabalho também lida com o tema. No Direito do Trabalho, a prática se enquadra na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 483-e, sobre o não cumprimento de obrigações contratuais e pelo artigo 482-a sobre a prática de ato lesivo contra a honra e boa fama.

De acordo com o TST, uma vez caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a vítima tem direito à indenização para reparação do dano (prevista no artigo 927 do Código Civil).

Nesse caso, a competência é da Justiça do Trabalho, já que o pedido tem como origem a relação de trabalho.

Embora, no Direito Penal, a relação hierárquica faça parte da caracterização do crime, a Justiça do Trabalho pode reconhecer o dano e o direito à reparação, ainda que a vítima não seja subordinada ao assediador.

São os casos de assédio horizontal, entre colegas de trabalho. A responsabilidade pela reparação é da empresa (artigo 932, inciso III, do Código Civil), e o empregador poderá ajuizar ação de regresso (ressarcimento) contra o agente assediador.

Responsabilidade da empresa ou gestão

É dever do empregador promover a gestão racional das condições de segurança e saúde do trabalho. A afirmação é da ministra do TST, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, ex-presidente da Tribunal e, “ao deixar de providenciar essas medidas, ele viola o dever objetivo de cuidado, configurando-se a conduta culposa”, assinala a ministra.

“Cabe ao empregador coibir o abuso de poder nas relações de trabalho e tomar medidas para impedir tais práticas, de modo que as relações no trabalho se desenvolvam em clima de respeito e harmonia”, disse a magistrada ao portal do TST.

Denuncie

O primeiro passo ao ser vítima de assédio sexual, de acordo com os especialistas do escritório LBS, é buscar orientação jurídica nos sindicatos da categoria. Será preciso obter provas sobre o assédio.

“É importante para a vítima de qualquer violência, assédio ou discriminação, ter ferramentas para identificar a conduta abusiva que lhe é dirigida, para que possa buscar amparo para agir dali por diante”, dizem os advogados.

Outro caminho é também é denunciar nas instâncias internas, ou seja, aos setores responsáveis na empresa.

A denúncia pode ser feita ainda no Ministério Público do Trabalho (acesse mpt.mp.br). Basta clicar em denúncia e preencher os dados. A denúncia pode ser anônima ou sigilosa, em que o nome do denunciante não aparece durante a investigação. Mas, a recomendação é, ao menos, deixar contato para esclarecimentos posteriores, para facilitar a apuração.

Provas

Em geral, o assédio sexual acontece de forma velada, em particular, longe do conhecimento de demais colegas de trabalho, ou seja, de forma secreta, quando a vítima está sozinha.

Ainda de acordo com a ministra Maria Cristina Peduzzi, “diante das dificuldades de prova do assédio sexual são aceitos os mais diversos meios de prova, com a devida ponderação do julgador, acolhendo até mesmo o depoimento da vítima”.

Tabu que vulnerabiliza mulheres

A prática do assédio sexual ainda é tabu dentro das empresas. Assim, assediadores se valem da impunidade. A sensação de impotência faz com que o silêncio e a solidão sejam os resultados mais recorrentes.

O constrangimento e a impunidade do agressor levam a mulher a ser a única a sofrer as consequências – uma em cada seis vítimas de assédio sexual no local de trabalho pede demissão.

“Em uma sociedade onde o machismo e o patriarcado ainda imperam, a mulher, frequentemente, é desacreditada e até desmoralizada ao expor que foi vítima. Não é raro ouvirmos comentários dizendo que elas provocaram ou permitiram a situação, classificando a mulher como a culpada pelo assédio. Por isso, muitas têm medo de denunciar e medo também de perder seus empregos”, diz a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino.

Por isso, ela reforça, as empresas e gestões têm de adotar políticas e condutas que não somente punam os assediadores, mas também que previnam que esse crime aconteça.

Convenção 190

A convenção 190 da OIT é considerada o primeiro tratado mundial que reconhece o direito de as pessoas serem livres da violência e assédio no ambiente laboral, independentemente de categoria e status contratuais, cobrindo tanto setor público quanto privado, aprendizes e estagiários, nos locais físico ou virtual, rural ou urbano.

A ratificação da convenção é luta permanente da CUT e seus sindicatos.

Atualmente 30 dos 187 estados-membros da entidade ratificaram o documento, e o Brasil não está entre eles. Em 8 de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), encaminhou ao Congresso o pedido para que o país ratifique a convenção, onde passou a tramitar como Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Uma vez ratificada o governo deverá adotar leis e regulamentos contra a violência e o assédio. Mas, para além disso, em consulta com os sindicatos, os empregadores deverão também tomar medidas adequadas para prevenir e combater a violência e o assédio no trabalho, a fim de proporcionar um ambiente seguro.

Importunação Sexual x Assédio Sexual

Ambos são crimes contra a liberdade sexual, mas há diferenças nos conceitos. A importunação sexual trata de crime mais grave e, portanto, com pena mais severa, que vai de 1 a 5 anos.

O artigo 215-A do Código Penal também condena a prática do ato libidinoso (que tem objetivo de satisfação sexual) na presença de alguém, sem sua autorização.

Exemplos: apalpar, lamber, tocar, desnudar, masturbar-se ou ejacular em público, dentre outros.

Já o assédio sexual exige que o criminoso use sua condição de ocupar cargo superior no local de trabalho de ambos, com objetivo de constranger a vítima a lhe conceder vantagem sexual.

Ou seja, é o chefe que ameaça demitir secretária, se ela não atender seus convites para saírem juntos. A pena prevista para esse crime vai de 1 a 2 anos de prisão.

Fonte: CUT RS com CUT Nacional; informações do Ministério Público do Trabalho e Tribunal Superior do Trabalho

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