‘A Educação gaúcha está destroçada’, afirma vice-presidente do Cpers

Cpers/Sindicato existe desde 21 de abril de 1945, no finalzinho da Segunda Guerra Mundial. Nasceu e foi criado por um grupo de educadores com o nome de Centro de Professores Primário Estaduais (CPPE). Ao longo dos seus 78 anos mudou e ampliou o seu nome, mas parece que nunca saiu da guerra, em outros campos, evidentemente. Fez greves contra as injustiças e contra todo o sistema que nunca valorizou a Educação como a base para a construção de uma sociedade mais fraterna e solidária. Enfrentou ao longo de toda a sua história a sordidez de políticos inescrupulosos e de uma sociedade omissa que nunca deu o real valor para a profissão de professor.

Agora, o Estado lançou mais um pacote de projetos para a área, com a hipotética ideia de revolucionar a Educação. As iniciativas – organização da gestão da Educação, Conselho de Educação, definições para a escolha de diretores de escola, marco legal para a Educação, processo para a municipalização, Educação profissional e técnica do Estado – estão mobilizando a entidade dos professores com garras, unhas e sugestão de emendas para tornar estas novas ideias mais palatáveis e mais objetivas para a categoria e para o ensino.

Com quase 200 mil professores e funcionários ativos e inativos, a Educação gaúcha precisa melhorar muito, não só na forma de ensinar, mas na oferta de mais tecnologia e locais mais apropriados e saudáveis. Nesta entrevista, o 1º vice-presidente do Cpers, Alex Santos Saratt, fala sobre o momento do magistério, as dificuldades, os problemas e a situação das escolas gaúchas. Confira:

“Ninguém liberta ninguém,
ninguém se liberta sozinho:
os homens se libertam em comunhão”
Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido, 1968)

Brasil de Fato RS –  Maior sindicato do RS, qual é o número atual de sindicalizados do Cpers?

Alex Santos Saratt – O Cpers tem hoje 77 mil sócios, dos quais 55% são aposentados. O restante é constituído de professores e funcionários de escolas da ativa.

BdFRS – Este é um bom momento dos professores gaúchos ou enfrentamos a mesma situação de sempre – más condições de trabalho e salários defasados?

Alex – Este é o momento mais grave da Educação no Rio Grande do Sul desde a redemocratização. Nós temos um governo que tem maioria política na Assembleia Legislativa e que construiu um projeto bem definido para defender os seus interesses e que tem atacado a Educação de uma forma muito dura. Em 2020, nós enfrentamos iniciativas e reformas do governo que atacaram a Previdência, o Plano do Servidor Público e o Plano de Carreira do Magistério.

Além disso, tivemos péssimas mudanças que minaram as escolas. Hoje, elas só resistem com muito heroísmo e bravura. Agora, existe a intenção e o projeto para definir o marco legal da Educação gaúcha, como se nós não tivéssemos um marco legal, como se este governo respeitasse leis, assim como não respeitou a lei do piso salarial, a paridade dos aposentados, a reposição salarial da inflação anual para os funcionários e a obrigatoriedade de investir 35% do orçamento em Educação.

Assim, este novo marco tem o único objetivo de destroçar a Educação, transferir e repassar responsabilidades do Estado para as prefeituras, que são os entes mais frágeis do ponto de vista político, estrutural e financeiro do pacto federativo. Por isso, precisamos lutar e enfrentar com todas as nossas forças este projeto do novo marco e impedir que ele venha a ser aprovado.


“Hoje, há funcionários fazendo trabalho de dois ou três e ganhando salários miseráveis” / Foto: Cpers Sindicato

BdFRS – Melhorou a situação dos professores com governo Eduardo Leite? Mais promessas do que coisas reais? Há diálogo permanente? 

Alex –  Olha, nós sempre fomos favoráveis ao diálogo permanente, não apenas como trabalhadores de uma área vital, mas como pessoas que pensam e praticam a Educação. O governo, porém, tem sido muito voltado para o setor empresarial e nos deixa sempre para planos secundários.  

“Este é o momento mais grave da Educação no Rio Grande do Sul desde a redemocratização”

Agora, tem alguns projetos, como o do vale-alimentação. Há uma década estamos lutando por isso. Nós não temos uma relação com o governo Leite como teríamos com um governo de cunho democrático popular. Buscamos, evidentemente, o diálogo, mas não abandonamos a organização, a mobilização da categoria. Sem isso, o diálogo não teria efetividade nenhuma. Agora, vamos lutar e defender nossas ideias diante de vários projetos da nossa área que estão em pauta na Assembleia Legislativa. A mobilização vai ser fundamental nesta área.

BdFRS – As questões estruturais e tecnológicas das escolas estão em nível ruim ou razoável ou melhoraram muito neste ano?

Alex –  Há uma defasagem muito grande. Se formos pesquisar na área da tecnologia vamos ver que muita coisa ficou só na promessa. Basta ver o que aconteceu na época da pandemia. Há uma distância gigantesca entre o que foi prometido e do que foi efetivamente realizado. Há problemas que envolvem também a habilidade, a familiaridade, o domínio das novas tecnologias pelo educando. Então não é só fornecer redes e equipamentos. É muito mais que isso.

Temos muitas escolas em condições precárias. Muros caindo, tetos desabando, banheiros estragados e sem condições, infiltrações, falta de ventilação adequada. São problemas que persistem. Então, muito mais que tecnologia é preciso, primeiro, ter salas de aulas com piso e condições gerais para que se possa ensinar com maior tranquilidade e os alunos aprender com maior satisfação.

BdFRS – Quais as disciplinas em que há maior carência de professores na rede pública? 

Alex – Temos ainda muitas dificuldades nas áreas das exatas e das ciências da natureza. Há realmente falta de professores para suprir estas demandas em muitas escolas. Temos pesquisas do início do ano que apontavam estas deficiências. Os cadastros de reserva para contratos emergenciais nem sempre solucionam as defasagens existentes. Não podemos esquecer também que as escolas não funcionam sem funcionários.

Há uma falta enorme deste pessoal de auxílio. Hoje, há funcionários fazendo trabalho de dois ou três e ganhando salários miseráveis. Temos ainda o agravante da terceirização, que tem sido a política generalizada deste governo. 

“Buscamos, evidentemente, o diálogo, mas não abandonamos a organização, a mobilização da categoria”

BdFRS – As escolas e os professores enfrentam ainda problemas de segurança quando se dirigem ao trabalho? 

Alex – Nós temos acompanhado as iniciativas das autoridades estaduais e federais no sentido de garantir um ambiente sociável e pedagógico, onde predominem a paz, o entendimento, o respeito, a tolerância. É fundamental que as escolas se cerquem destes instrumentos próprios da Educação para buscar solucionar conflitos, fortalecer consciências e sentimentos de comportamentos.

Agora, é preciso política pública permanente de apoio a estes princípios. Por outro lado, existe na sociedade um ambiente de muito ódio, de muitas hostilidades, de muita mentira, de muita perseguição e isto, infelizmente, coloca a questão da segurança nas escolas como um ponto muito importante hoje nas discussões do nosso sindicato e da própria comunidade escolar.

BdFRS – A greve ainda é uma alternativa para melhorar a situação dos professores ou as conquistas obtidas com paralisações não são compensatórias? 

Alex- A greve é um instrumento legítimo de qualquer categoria e é uma forma de luta da classe trabalhadora. É um momento de aprendizado para os trabalhadores, desde a sua organização e mobilização até entender as razões da greve, como mentiras, descaso, dos ataques da importância da Educação. Então, não se pode descartar a greve.

Existe hoje um regramento jurídico cada vez mais forte no sentido de impedir esta manifestação e, ao mesmo tempo, facilitar a exploração do trabalho. Diante disso, os trabalhadores sabem que é preciso lutar e que a luta envolve métodos possíveis e legais e que a greve é uma forma delas.

Nós queremos ver negociadas as questões coletivas no serviço público para que a gente possa estabelecer formatos para solução de conflitos e que, inclusive, consigam impedir a greve. Mas, se for necessário, as categorias decidem. No momento, nós não temos nenhuma discussão a respeito disso, mas é bom lembrar que o Cpers tem um histórico de conquistas e de resistências onde a greve esteve presente.

“A greve é um instrumento legítimo de qualquer categoria e é uma forma de luta da classe trabalhadora”

BdFRS – Em termos de vocação para o magistério, o RS está sofrendo pouco interesse para a carreira? Ou eventuais concursos ainda têm inscrições muito acima da média?

Alex – A realidade tem mostrado aquilo que estamos constatando há muito tempo. O número de estudantes jovens nas licenciaturas está, cada vez mais, em queda abrupta. Vejo isso com muita preocupação e não existe tendência de que haja uma reversão. Pelo contrário, a tendência é que ela se aprofunde. É evidente que isso nos deixa em situação intranquila quanto ao futuro. A tendência é que a escassez de professores possa facilitar a introdução de outros meios de ensino, como monitorias, tutorias, ensino remoto, plataformas prontas e assim por diante. São instrumentos legítimos, são necessários, mas que não podem ficar à frente do sujeito, pois, afinal, a Educação é uma atividade essencialmente humana.

Enfim, os dados que existem aí apontam para uma situação dramática, mas quanto mais sério é o momento pior é a solução dada pelos governos. Eles querem massacrar, miserabilizar e tornar a profissão de professor rejeitada por quem quer se profissionalizar na área, mas também deseja ter um retorno financeiro bom, satisfatório. É um caso grave que exige um grande engajamento social para ser solucionado.

BdFRS – Qual a maior ambição neste momento do Cpers/Sindicato para os professores gaúchos?

Alex – A grande ambição daquele que luta por uma sociedade justa, equilibrada, é que a Educação pública triunfe nos seus propósitos e que ela possa de fato oferecer para a sociedade aquilo que é exigido e demandado pela população. Só assim poderemos fortalecer a democracia, a cidadania, os direitos humanos, combinado com um projeto de desenvolvimento econômico e social.

Do ponto de vista específico, nós temos batido no caso do respeito rigoroso ao piso do magistério e dos funcionários das escolas ser criado e equivalente ao do magistério conforme a formação do profissional. Também lutamos pela questão das carreiras. Não basta ter o piso. Precisamos ter uma carreira atraente, que estimule o ingresso e a permanência. Também queremos respeito à aposentadoria. A questão previdenciária faz parte deste combo – piso, carreira e Previdência.

“A grande ambição daquele que luta por uma sociedade justa, equilibrada, é que a Educação pública triunfe nos seus propósitos”

Nós estamos também vendo uma situação muito delicada e constrangedora com os nossos aposentados, vivendo à beira da miséria. É preciso dar atenção especial para que eles possam recuperar urgentemente a sua dignidade. Mas há outras questões que estão na nossa pauta, como financiamentos, modelo pedagógico e rever a questão de realização de concursos públicos periódicos para que a gente possa abrir espaço para muitos profissionais que hoje não conseguem emprego por falta destes mecanismos.

Fonte: Brasil de Fato RS

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