Cervejeiro artesanal vai desaparecer se não montar o seu controle de fiscalização

A história da contaminação da cerveja artesanal Belorizontina, em Belo Horizonte (MG), é muito mais que um caso de polícia. É uma sirene que foi ligada emitindo um som ensurdecedor que se não for ouvido pelos cervejeiros artesanais do Brasil, acabará os levando à extinção. Porque esse tipo de coisa se espalha como fogo em palha seca untada com gasolina. Em dezembro do ano passado foi descoberto que dois lotes da cerveja haviam sido contaminados pela substância dietilenoglicol, que ataca os rins e o sistema nervoso. Até agora as autoridades sanitárias descobriram que 26 pessoas foram contaminadas, sendo que cinco morreram. A Belorizontina é fabricada pela Cervejaria Backer, a primeira artesanal de Minas Gerais, fundada em 1999. O dietilenoglicol é um anticongelante usado por algumas cervejarias. Mas que não entra em contato com a cerveja. Os representantes da empresa negam que tenham usado o produto.

Houve sabotagem ou acidente? A pergunta vai ser respondida pela investigação policial e pela apuração que os fiscais sanitários do governo mineiro e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estão realizando. É uma questão de tempo para saberem o que realmente aconteceu. Independentemente do que for descoberto, o fato é que o estrago na imagem das cervejas artesanais já está feito. E o que impende que se repita? Essa é a pergunta que nós repórteres temos que responder. Na busca pela resposta vamos olhar como se organiza o mercado brasileiro de cerveja. O Brasil se perfila entre os 20 países no mundo que mais consome cerveja: são 62 litros per capita anuais. As artesanais somam 664 fábricas, com o Rio Grande do Sul à frente, com 186. O total da produção é de 380 milhões de litros anuais, correspondendo a 2,7% da produção nacional. São representadas pela Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva). A maior cervejaria do país é a Ambev, que produz 68% da cerveja consumida no país – há um vasto material sobre o assunto disponível na internet.

Nos últimos 25 anos as cervejas artesanais ressuscitaram no mercado nacional. Nasceram nas cozinhas de apaixonados pela cerveja e acabaram se tornando um grande negócio. E o que acontecia no Brasil enquanto as artesanais cresciam no mercado? Os serviços de fiscalização sanitária dos municípios, dos estados e da União entravam em decadência devido a vários problemas, do quais dois podem ser citados como principais: a não reposição dos funcionários aposentados e a falta de investimento na estrutura da fiscalização (veículos, laboratórios e equipamentos). Aqui chegamos ao xis da nossa questão. Caso os cervejeiros artesanais não se organizarem e montarem um serviço de fiscalização no seu setor vai acontecer uma invasão de aventureiros e a marca vai ser jogada no lixo. Temos exemplos de setores que se organizaram para não desaparecer. Vou citar dois que testemunhei fazendo reportagens. O setor de carnes (gado, suína e frango) era infestado por clandestinos. Produtores e frigoríficos se uniram e varreram do seu meio os ilegais. Da mesma forma, os plantadores de fumo e as indústrias do tabaco estão travando uma luta de igual para igual com os contrabandistas de cigarros paraguaios que inundam o mercado brasileiro.

Como eles se organizaram? Montaram um sistema de informações que tem três pilares: um deles mantém o consumidor informado sobre quem é quem no setor. E outro abastece as redes sociais e a imprensa tradicional com informações sobre o setor. O terceiro pilar é a pressão permanente sobre as autoridades, exigindo que façam o seu trabalho de fiscalização.

Lembram-se, meus colegas, que lá no início do texto eu usei a palavra “ressuscitaram” para descrever a presença crescente do cervejeiro artesanal no mercado? Por quê? Os agricultores descendentes dos imigrantes europeus que povoaram o norte do Rio Grande do Sul e depois subiram para o oeste de Santa Catarina, Paraná e dali para as fronteiras agrícolas dos estados do oeste do Brasil faziam, até o início dos anos 1960, a sua cerveja e a sua gasosa (refrigerante) em casa. Contei essa história em três livros: Brasil de Bombacha, de 1996, atualizado em 2011 por O Brasil de Bombachas – As novas fronteiras da saga gaúcha, e De Pai Para Filho na Migração Gaúcha, de 2019. Lembro-me que no meu tempo de criança no interior de Santa Cruz o meu avô e seus vizinhos faziam um comboio de carroças para entregar o fumo para os compradores. Na volta, ficavam três dias na casa de um deles cantando e bebendo cerveja caseira, acompanhada por cuca e linguiça fervida na água. A cerveja artesanal faz parte da história das famílias gaúchas e de seus descendentes que migraram para outras terras. Esse foi um dos motivos que a fez voltar ao mercado. O que os empresários do setor precisam saber é que, se não se organizarem, serão cordeiros em baile de lobos. É simples assim.

Fonte: Artigo de Carlos Wagner, jornalista, via Rede Soberania

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